domingo, 3 de janeiro de 2010

Araras em Salt Lake City

Amigos,

A parte a presunção de que isto possa interessar as pessoas, informo que tive um inicio de ano auspicioso. Refiro-me aos primeiros 5 minutos do ano. Explico: Durante as 3 primeiras horas que antecederam a passagem de 2009 a 2010, fui submetido a ininterrupto e impiedoso massacre, tendo de ouvir as contrariedades, infortúnios e, toda sorte de desventuras que a vida possa trazer a um imigrante ilegal nos Estados Unidos da América. Assim é que, os primeiros 5 minutos de 2010 foram de excelente augúrio, quando comparados ao padecimento que vinha, até então, sofrendo.

Acompanho com severo cuidado o calendário no ultimo mes do ano, de maneira a não cair na esparrela que são as festas a que somos sentenciados a comparecer nos momentos que antecedem a troca de guarda do castelo do senhor de nossos dias, o Tempo. Este ano, que a pouco encerrou-se, fui intimado a comparecer as comemoraçoes, por autoridade maior: minha mulher. Todas aquelas surradas escusas que uso apresentar, não surtiriam efeito. Desde a rampeira diarréia, ate a meditação transcendental recomendada por mestres nepaleses e tibetanos nos exatos ultimos 7 minutos do ano; a todas ela conhece. Ela, minha cumplice em ocasioes passadas, nao engoliria, agora, tais argumentos e, eu poderia sofrer consequencias funestas nos 364 dias restantes… Resignado, fui ao rega-bucho organizado por brasileira que se auto-exilou em Utah. O frio nesta epoca do ano é duro. Faz com que questionemos, com total sinceridade, em que parte do planeta vivem os sujeitos que se ocupam a falar de aquecimento global e, a responsabilidade do esterco de vacas e outros quadrupedes, no processo.

A casa da brasileira é bonita e, confortavel. Assim que adentramos a cozinha onde estavam todos, não pressenti o que me esperava pelas proximas 3 horas. Brasileiros adoram reunir-se na cozinha. Pequenos grupos conversavam animadamente, bebericando, lambiscando, felizes… Entre a sala e a cozinha, empoleirada em uma gaiola aberta, uma arara de expressão nula, mal ajambrada em sua plumagem pobre, a tudo acompanhava. Fazia o que se pode esperar de uma arara: Gritava e defecava a intervalos irregulares, alem de ameaçar bicar a quem se aproximasse da gaiola. Em outro canto, cães enjaulados latiam, as vezes, por motivo nenhum.

Após ter cumprimentado os convivas, mal acomodei-me em uma banqueta, aproximou-se de mim um sujeito de aparencia barata, suspeito em seus modos de forçada afabilidade; um finório. Era o começo de minhas desventuras. Como praga que não falha e não cessa, apresentou-se como ator, jornalista há 40 anos e, massagista profissional. Eu ja conheço o roteiro. Anos atrás, um companheiro de trabalho, chileno, disse-me que todos os ilegais em Utah, são profissionais liberais; medicos, jornalistas, advogados ou, professores. Os menos prendados, dominam uma arte qualquer; pintura (não de paredes), dança, capoeira ou, levitação. Meu algoz, além de todos os predicados já arrolados, é tambem um Casanova. Seu sobrenome de batismo é Soares mas, apresentava-se como Boneville. A historia geologica de Utah explica que, em remotas eras, havia um grande lago de nome Boneville, que cobria o que é hoje Salt Lake City e arredores. Testemunha de seu proprio passado, restou o Grande Lago Salgado. Ainda com o que me restava de boa-fé e crença na sanidade mental de meu interlocutor, presumih que este pretendeu prestar homenagem ao, senão finado, agora encolhido Lake Boneville. Ledo engano… Mais tarde, explicou-me que Boneville era um acronismo formado pela letra inicial do nome de suas ex-mulheres, diria vitimas…

Fui intimado a ler duas páginas de seu novo romance; uma chateação. Tambem, tive de ler suas cartas ao presidente Obama nas quais, além de pedir tratamento especial a sua condição de imigrante ilegal, discorre sobre a solução para a questão da dependencia americana em relação ao combustivel estrangeiro. Claro, tive de ler as cartas que recebeu em resposta, tanto da Casabranca (a usual resposta a todas cartas que lá chegam, sejam de critica positiva ou negativa…), bem como do Departamento de Imigração confirmando sua ilegalidade. Seus romances nunca foram publicados. As editoras provavelmente recusaram-se a tal tresloucado gesto. O ingles que fala e escreve Boneville, pode ser perfeitamente identificado com o que seria falado por indigenas, descendentes da miscigenação com integrantes de alguma expedição inglesa perdida em séculos passados na selva amazonica. A trama, é paranoica e improvavel… Se publicados, é muito possivel que Boneville recebesse uma fátua, a tal condenação a morte emitida pelos aiatolás iranianos contra Salman Rushdie e outros, por ofensa a Maomé. No caso de Boneville, seria uma ofensa grave a cultura humana…

O massacre a que fui submentido, foi longo. Em outra fase da conversação (ou seria audição, visto que quase nao pude falar…?) contou-me como, na presenca do Ministro do Exército, general Leonidas Pires, de triste memória, botou o dedo no nariz do general comandante do 4o. exército e, reclamou da censura. Isto foi no Recife, nos tempos em que trabalhava como jornalista. A foto, de dedo em riste na cara do general, foi feita publica na primeira página do Diario de Pernambuco. Quase lhe custou a liberdade, nao fosse a intervenção do proprio comandante do 4o. exército, do qual agora não recordo o nome…. Imagino que este proprio tenha aparecido boiando nas aguas do Capiberibe. Atos assim, generosos, nao eram praticados naqueles tempos de chumbo, sangue e torturas…

Outra façanha, aconteceu em terreno menos minado. Casualmente, em voz alta, traduzindo suspeita e vassala camaradagem (o ato foi reencenado, para meu martirio…) reclamou para o Superintendente do IAPAS em Pernambuco que, seu salario era baixo. Sem maiores delongas foi promovido a chefe da repartição do IAPAS no Recife.

Sei que, eu próprio, estou agora a massacrar a quem conseguiu ler até aqui os meus infortunios de Ano Bom e, abstenho-me de prosseguir arrolando as maldades das quais fui vitima. Posso garantir que é longa a lista… Na busca de comiseração, o que nao negaceio, acrescento que tudo isto ocorreu em ambiente envolto por vozes misturando portugues/ingles, cançoes de Maria Carey e outros, sambas, forrós, funks, tudo intermeado por gritos lancinantes de uma arara, provavelmente, insandecida…Tambem, a dupla de cães da raça Desagradavel foi solta de sua jaula. Gosto de cães mas, não gosto que me lambam, nem que saltem em minha cabeca, quando estou sendo caceteado. Assim é que, quando o relógio apontou a virada de ano, em menos de 5 minutos adentrados em 2010, despedi-me de maneira apressada e, provavelmente, pouco polida… Meu olhar devia ser esbugalhado e assassino, pois ninguem ousou deter-me. Mesmo as usuais palavras “ja vai? Fica mais um pouco…” não foram ouvidas. Senti compaixão pela pobre arara que tinha de permanecer a gritar e defecar, sem outra opção, em sua gaiola triste. É a unica forma de vingança que encontrou ao martirio a que esta condenada pelo resto de 2010 e, o que mais vier. Pensei em ligar para qualquer orgão que cuida de causas envolvendo o sofrimento de entes emplumados. Contive-me diante do surrealismo do gesto aquela hora do ano e da madrugada. Penosa é a vida de uma arara em Salt Lake City…

Feliz 2010!!!!

2 comentários:

Eden disse...

O meu irmao, e' o cara mais inteligente do mundo. Como escreve bem. Ele e' uma das joias da lingua portuguesa mas nao se toca. A grande historia brasileira esta a ser contatada... por voce... Bosquinho. E desculpe sobre a festa de ano novo... voce fez o papel daquele cara que jogava na selecao da Republica Cheka, "Sucker."

Nei Souza disse...

Ao que tudo indica, nao vai lhe restar outra alternativa, Bosquinho, senao soltar o escrivinhador preso dentro de voce. Mais um fa de seus borroes se junta a thurba, fazendo crescer a legiao. Solta as letras.... garoto.... solta as letras.
Agora, so uma duvida.. acho que tao chamando meu loro de arara... heim.