terça-feira, 10 de março de 2009

Vida magrela ou Bosquinho e sua bike

Atendendo a pedidos, nosso amigo João Bosquinho resolveu abrir seu baú de lembranças e brindou-nos com o relato de uma de suas aventuras daqueles tempos em que "se amarrava cachorro com linguiça". Uma delícia...

Sempre tive grande ânimo e admiração pela vida em duas rodas. No auge do entusiasmo, cheguei mesmo a pensar que, ao invés de pernas, deveríamos ter nascido com duas rodas ou, mesmo uma só... Joelho é coisa complicada de consertar; roda tem design simples, com a vantagem de que ninguém pisaria mais no pé de ninguém e, nem tropeçaria pela vida afora... Estando Darwin certo, a roda será a evolução; é viver e ver...
Voltando a conversa pedestre, acho a bicicleta um sinônimo da vida: tudo começa com um primeiro impulso, levantar a cabeça, olhar pra frente, manter o equilíbrio e, pedalar sempre...
Viver é assim, também... Se você tem dificuldade em compreender a vida, é porque a fez complicada. Apague tudo. Suba numa bicicleta e, receberá simples e valiosa lição... Não se acanhe se precisar iniciar com aquelas rodinhas laterais... De novo, a vida imita a bicicleta: quando você começou a andar, precisou dos dois pés e uma mão de sua genitora para trilhar seus primeiros caminhos. Coragem!
Nei, esse episódio a que se refere esse amigo*, que tem uma cópia do meu baú de lembranças (boas e ruins), foi, digamos assim, melancólico. Nunca permiti que esse patético acontecimento esfriasse meu entusiasmo quanto à vida em duas rodas. Nunca!
Não irei minimizar a gravidade do acontecido, ainda que isto custe a desistência de alguns (falsos) ciclistas! Somente direi que vivi momentos infinitamente mais felizes sobre uma bicicleta do que aqueles complicados minutos ali na descida da Oratório, logo após o Bonfim. O declive ali era maior. Está mais suave, imagino que devido a freadas de outros infelizes ciclistas e, hoje, a topografia ali é bem mais amiga...
Naquele dia distante, eu estava descendo a ladeira pilotando uma bicicleta antiga, cujo freio funciona no que se chama contra-pedal. Para os não familiarizados com a matéria, em certas bicicletas, o freio é acionado pedalando-se em sentido contrário.
Tem o mal de que, caso a corrente escape, você está sem freio, salvo a velha havaiana e, sua própria testa. Para descidas acentuadas, estes dois últimos recursos serão de pouca valia. Sim, a corrente de minha bicicleta escapou e, eu não estava usando havaiana e, tampouco queria usar minha testa batendo-a contra o Camilão que descia a ladeira, à minha frente.
Procurei raciocinar rápido enquanto ainda tinha a cabeça intacta: Caso o busão não parasse no final da descida, bastaria eu continuar a segui-lo e esperar por boa sorte ao fazer a curva à direita. Se parasse, eu tinha quatro opções: ultrapassá-lo e correr o risco de dar de cara com veículo no sentido contrário (altamente provável); entrar na traseira do ônibus; jogar para cima da calçada, batendo antes no meio-fio: ou, sair voando... Claro, ele parou!
Como não aprendi a voar até hoje, decidi por jogar contra o meio-fio e ver o que Deus estava querendo. Bati violentamente contra o meio-fio (era fio inteiro antes da porrada) e, fui atirado contra um velho muro de tijolos, sem reboque, que lá havia.
Anos mais tarde, a metade que restava do muro foi demolida. A primeira metade, eu demoli anos antes, com o impacto. Não sei quanto tempo demorei para levantar do chão mas, não foi muito.
A visão voltando lentamente, comecei a perceber pessoas olhando-me com a curiosidade natural destas ocasiões. A costumeira turma do vinagre. Era gente feia e, pensei que poderia ter ido para o inferno, condenado por imprudência e por danos ao patrimônio público.
Quando vi a pobre magrelinha arrebentada junto ao muro, não tive dúvidas de que deveria levantar e pedalar mais um pouco essa vida...
Sim, a vida, porque aquela bicicleta de uma roda redonda e outra oval, guidão cuja mão direita juntava-se à esquerda (havia batido, primeiro, contra o poste da parada de ônibus), teria de passar por uma reforma maior do que a que eu estava a precisar, antes de voltar a rodar. Meu estrago era de menor monta: enorme esfolado junto às costelas e cotovelo, uma pancada na cabeça e nada mais... Ficou baratinho.
Envergonhado, recolhi a bicicleta, ou o que dela restou e, saí para o lado que estava virado, procurando lembrar qual era o meu endereço aquele dia...
(*) - Esse amigo é o nosso primeiro-ministro Gilsão Fernandes, que instigou-me a atiçar Bosquinho a relatar essa história

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