sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Camarões à baiana


Vasculho cantos escuros da memória como a revirar gavetas de um grande e imaginário guarda-roupas à procura de um velho par de meias . Busco um episódio, uma imagem agradável de minha juventude, digna de vir à luz, ainda capaz de despertar certa emoção. Repasso os amigos, um a um, numa muda súplica por ajuda. Os eventos vêem, mas não os sinto dignos de nota, de tornarem-se públicos.
O Pagador de Promessas no Conchita de Moraes? As noites em claro na casa do Maurinho preparando-nos para provas ou algum trabalho qualquer? Ah! Amir... Moisés...e Hiro... Se vocês soubessem o quanto nos aproximamos graças àquelas noites mal dormidas... graças a vocês... E tome Reactivan, cafezinho e tome Coca-Cola... para aguentar até a manhã do dia seguinte.
E os bailes do Crown´s Group animados pelo velho gravador de fitas de rolo..? Eram Beatles, Stones, Led Zeppelin, Blood Sweet and Tears, Bee Gees... lá longe, em São Mateus? O namoro às escondidas depois das aulas sob a proteção daquela árvore da rua Suíça (ou seria Suécia, Noruega ou Dinamarca) é um capítulo à parte, mas não seria politicamente correto liberá-lo ao público geral. Ah! Se aquela árvore falasse... Deus me livre, né Cata?
Os personagens são muitos e caros ao meu coração, embora embaçados pela névoa do tempo. Alguns não vejo há muito ou partiram para sempre; outros voltam a fazer parte de minha vida. O fato é que os episódios marcantes foram aos montes e seria impossível enumerá-los, quanto mais relatá-los aqui. Um deles, no entanto, ficará para sempre na memória de quem o viveu... não é Bolinha, Gilmar, Gilson, Benassi e Chiquinho...?
Acho que eram férias, mas quem seria capaz de separar-nos, mesmo naqueles períodos em que normalmente a gente dedica a descobrir novos amigos, realizar o que não é comum durante o período de aulas. Assim, decidimos – essa galera aí de cima – conhecer a minha Bahia, que Nosso Senhor do Bonfim só havia dado esse privilégio a mim até então.Como realizar essa aventura? Como fosse possível... de busão... carona, a pé... do jeito que desse.
E lá fomos nós, sem esquecer um item básico e imprescindível: a mochila nas costas. Afinal, hyppies não éramos, mas rebelde que era rebelde não dispensava uma mochila naquelas ocasiões.Só sei que alguns dias mais tarde e depois de mais de dois mil quilômetros sacolejando no busão da São Geraldo, aportávamos todos amassados na rodoviária velha de Salvador, sob um calor que beirava o insuportável.
Por sorte, logo ao lado da rodoviária um hotelzinho de pernoite pareceu-nos o Copacabana Palace baiano. Logo nos alojamos, todos num mesmo quarto (mas em camas separada, que fique bem claro! Bichos, sim; bichas, nunca).
Bom, resolvida a questão do alojamento, o que nos restava fazer na terra de Rui Barbosa, Castro Alves, Dorival Cayme, Jorge Amado, João Gilberto, Gil e Caetano Veloso? Alguém tem dúvidas? O sol das duas horas da tarde só pedia uma coisa: um bom e refrescante banho numa das praias da orla, sob as bênçãos de Iemanjá. As areias da praia do Farol não saciaram nossa sede e lá fomos nós para o Jardim de Alá, em Piatã. E tome água do mar, areia fofinha, banho de sol... ai!Mama África me deu dose modesta de melanina e agradeço por isso. Quem foi mais esperto, não se expôs totalmente ao deus Sol, mas...
Feito tudo (ou quase) que dava para fazer naquelas condições, tava na hora de voltamos ao “Copacabana” para desfazermos as “malas”, bater um rango e descansar um pouco. Foi aí que o drama começou.
Quem mexeu em nossas roupas, devem ter pensado o Benasi e o Chiquinho. Já sentindo os efeitos do causticante sol baiano, nossos dois heróis tentavam vestir suas vestes, sentindo-as como se elas fossem feitas de lixa. Não deu. Ardia tudo. Já exibindo uma vermelhidão digna de dar inveja a qualquer camarão, Benassi e Chiquinho só pensavam em chegar ao hotel, tomar um banho e jogarem-se na cama para recuperar o fôlego.
E assim foi feito. Cumprido o percurso entre o Jardim de Alá e a rodoviária velha, perto da Baixa do Sapateiro, nem banho deu para tomar e os meninos jogaram-se nas camas, pedindo um refresco. Ninguém dormiu bem aquela noite. Mas estou certo que ninguém dormiu (se é que dormiram) tão mal quanto qualquer um dos dois. No dia seguinte, ninguém se atreveu a sugerir qualquer passeio a não ser aquele até a farmácia mais próxima, na tentativa de remediar o irremediável.
E assim foram os dois dias seguintes, quando o máximo que deu para conhecer da Bahia foram aquelas ruazinhas sinuosas, apertadas, sujas e cheirando a xixi no entorno da velha rodoviária soteropolitana. Claro que valeu a pena o passeio. Conhecemos depois o Elevador Lacerda – o Bolinha ficou horrorizado porque uma inocente barata voou nele dentro da cabine do elevador -,o Pelorinho, o Mercado Modelo, o Bonfim e outros tesouros da capital baiana. Aprendemos muito por lá mas principalmente aprendemos a respeitar o sol baiano.

4 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bosco disse...

Ney, que gostoso ler a narrativa de suas lembrancas baianas... Espero que venham outras... Ney, vou aproveitar o "gancho" em sua narrativa e, lembrar de um bailinho, nao lembro de quem era a casa, no Joao Ramalho. Lah pelas tantas, acharam voce e a Cata namorando em um corredor entre a casa e o muro. O que chamou a atencao da gente, nao foi nenhuma atitude comprometedora, nao. Foi sim, tentar entender como eh que coube um casal, em espaco onde mal cabia um dos amantes, sozinho... O amor nao respeita regras; nem as da Fisica. Dois corpos ocupam o mesmo lugar no espaco, sim senhor! Abracao!

Nei Souza disse...

Pois é, Bosquinho. Não lembro dessa festa citada por você, mas posso confirmar que quem morava no João Ramalho era eu. Quanto ao fenômeno físico lembrado por você em seu comentário, nada mais é do que a prova cabal de algo que hoje temos certeza: o amor faz milagres... até fisicos.
Em tempo: peço aos brothers citados em minhas "lembranças baianas" que corrijam-me em alguns detalhes que eventualmente a memória possa ter me traído.
Abração a todos, mas continuo sentindo a falta da presença de mais gente nesse espaço. E aí Gilsão... e aí Blue Eyes... e aí Presidenta... e aí Bolinha... (já citado diversas vezes); cadê vocês? Estamos saudosos!

Anônimo disse...

Pois é Nei...lembro-me perfeitamente daqueles tempos em Salvador...o ano foi 1972!
Em 76 retornei pra lá com o Rafael
para o congresso de reorganização da UNE...tempos "brabos" e os mílicos não estavam afim de perder o poder.Mas voltando para 72...uma das cenas que de vez em quando me volta é o Décio com o violão tocando e cantando Rocky Raccoon dos Four Fabs..do you remember?