quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Se for pescar, não beba - ou A pedrada do trem

Esta é do Bosquinho, que tomo a liberdade de postar aqui no nosso blog.

Paulo era ligeiramente mais velho que eu, tendo tido, portanto, tempo para desenvolver mais maus hábitos do que eu, sendo um deles, a pescaria. Ambos morávamos no Parque Novo Oratório. Certo dia, Paulo decidiu que iríamos, de bicicleta, pescar na parte da represa Billings que fica em Ribeirão Pires. Quanto mais longe, maior a chance de aventuras. Isto foi durante as férias escolares de julho, ano definitivamente esquecido entre tantos já passados.
Saímos cedo do Parque Novo Oratório, munidos de varas de pesca, minhocas, algumas delas na cabeça, e pedalamos por horas até chegar em Ribeirão, já por volta do meio-dia... Acomodamo-nos próximo a umas das indefectíveis biroscas que infestam a represa desde os tempos do Caminho Real e,
pusemo-nos a pescar.
Confesso não lembrar se pegamos peixe. Lá pelas tantas, resolvemos que deveríamos nadar. Nos atiramos nas águas, vestidos como havíamos vindo, sem as camisas. Tudo ia bem - tudo vai bem quando se tem 14/15 anos - até quando desabou a neblina tão comum na Serra do Mar. O sol desapareceu, a fome incomodava e o frio causava uma sensação ruim de desamparo...
Paulo, escolado nas lides de pescaria de cabotagem, decidiu que era hora de comermos um sanduíche de mortadela e... oh desgraca...! tomar uns rabos-de-galo. Eu tinha certa experiência com sanduíches, principalmente de mortadela, mas nenhuma com rabos-de-galo (deve estar errado mas, soa-me mais coloquial manter galo no singular, viu Niva/Nilza...?).
Tive de decidir ali assinar, ou não, em cima da perna, minha sentença de macho ou maricas! Tomar ou não tomar? Paulo já havia explicado os poderes térmicos da beberagem, o frio encorajava, meus brios estavam à prova e, a dose no copo
não parecia ter tamanho para me derrubar. Tomei!
Daí por diante, as lembranças são cenas esparsas, vagas e, de pouca certidão. Resumirei a narrativa aos episódios definitivamente marcados a vexame e cansaço na memória distante.
Subimos na bicicleta e, a estrada parecia-me incrivelmente tortuosa e difícil. Na descida que existe logo após onde hoje está a Cooperativa do Rhodia, na divisa de Mauá e Ribeirão, colidi minha bicicleta com a traseira da bicicleta de Paulo. Capricho dos demônios que perseguem os bêbados jovens (os velhos, Deus protege), furei o pneu dianteiro de minha bicicleta e, o traseiro da bicicleta de Paulo. Este, lívido, bêbado e, furioso, xingou-me a valer, no idioma russo, imagino hoje. Alguém, não lembro quem, já disse que as lembranças são remotas e ébrias, decidiu que o melhor seria descer um enorme barranco negro, pintado de piche, e que leva à estrada de ferro. Linha de trem não tem muita curva e seria mais rápido para chegar em casa empurrando as bicicletas.
Hoje, orgulho-me de nossa lucidez, estando o cérebro encharcado com rabos-de-galo e, gostaria de parabenizar o Paulo caso o encontrasse.
Iniciamos a marcha via caminho de ferro, com abnegada decisão. Para descarregar a raiva, dávamos pedradas nos trens que passavam. Só parei quando uma das pedras, não sei atirada pela mão de quem, passou assobiando incrivelmente próxima à minha orelha, devolvida pelo trem que passou em sentido contrário ao nosso...
Mesmo "borracho", pude avaliar o perigo; o risco de morrer apedrejado por um trem, fato talvez nunca registrado em toda a historia criminal e ferroviária do Brasil.
A historia já vai longe; tenho esse mal costume e, encerrarei dizendo que, em poucas ocasiões, se é que existiu outra, minha humilde casinha assemelhou-se tanto ao Paraíso. Devo ter dormido pelas 72 horas seguintes e, desde então, passei a sofrer de delirius tremulus todas as vezes que a palavra rabo-de-galo era pronunciada por algum bêbado amigo, que não existem bêbados inimigos...
Registra ai, Ney! Abraço a todos! Bosco.

Tá registrado para nossa posteridade, Bosquinho. Beijo no bumbum!

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