quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Tudo "dismuda" nessa vida

O seo Joaquim – que Deus o tenha em bom lugar, como diria dona Paulina, minha avó – era uma figura. Matuto do interior paulista, onde ganhou a vida e formou família, passou a juventude e começo da idade adulta labutando de sol a sol nas lavouras de café de uma fazenda em Garça, município próximo a Bauru, no centro do estado.
Mas, cedo, ele transferiu-se “de mala e cuia” para a Capital. Na bagagem, uma respeitável prole de doze filhos – seis homens e seis mulheres. Na medida do possível, deu conta do recado e conseguiu criar – não sem a valiosa colaboração da dona Nair – todos os descendentes.
Já no final de vida, aposentado, com problemas de saúde e praticamente sem poder sair de casa, passou a viver das lembranças do passado e das orientações que ainda insistia em dar dentro de casa, embora poucos as seguissem.
Quando a prole e seus descendentes reuniam-se em casa – todo domingo, o lar dos Calegaro ficava cheio de gente: eram filhos, netos, sobrinhos, genros, noras, vizinhos e agregados em geral – era aquela balbúrdia típica de família de descendentes italianos a devorar “una bella” macarronada. A massa era sempre a mesma: macarrão parafuso regado a molho de tomate – “com carne moída”, lembra dona Marta, aqui ao lado.
Nessas ocasiões, seo Joaquim costumava acomodar-se num dos sofás da sala e tirar um cochilo. Isso, quando a bagunça de cachorro latindo, criança gritando, a mulherada fofocando na cozinha e o genro Fernando permitiam o “descanso do guerreiro”.
O mais usual no entanto era o simpático velhinho ficar quietinho no seu canto, fingindo assistir televisão. Eventualmente, ele tirava uma de contar uma história (do seu tempo, naturalmente) ou de dar alguns conselhos a quem estivesse precisando de um, na sua concepção.
Quando seo Joaquim conseguia conquistar a atenção de alguém, ele se soltava e produzia algumas belas pérolas para o vocabulário nacional. Numa dessas ocasiões, estava meu sogro criticando o comportamento de uma das meninas e os valores morais atuais quando, a certa altura, comparado com seus tempos, ele me sai com esta: “hoje em dia está tudo diferente. No meu tempo não era assim. Tudo dismuda.”
- O quê, Quinca? – era como meu cunhado Fernando chamava seo Joaquim. Tudo o quê? – insistiu Fernando.
- Tudo dismuda – sentenciou o sogrão.
Além do Fernando e de mim, havia poucas pessoas na sala, mas aqueles que estavam presentes trocaram olhares cúmplices, em silêncio acordando em não corrigir o neologismo, criado pelo patriarca num repente de rara inspiração gramatical.
Hoje o Quinca está no céu e me deu uma saudade danada dele. Garrei a imaginar o que diria seo Joaquim, se vivo ainda estivesse, diante da televisão assistindo às cenas de namoro dos casais BBB, sob o edredon; ou do noticiário político internacional, dando conta de que uma mulher assumidamente homossexual foi eleita primeira-ministra da Islândia; ou mesmo que um negro com nome "suspeito" de Barack Hussein Obama era o novo presidente dos Estados Unidos.
Já pensou, seo Joaquim? Não! É melhor não pensar. Porque, como a senhor mesmo diria: tudo DISMUDA nessa vida. E a gente tem de evoluir... dismudar...

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